terça-feira, abril 26, 2005

Isso não é um poema

- Filho, vem cá. Escreve um poema pra mãe.

Ela folheia o caderno onde o seu filho escreve. Resignado, ele abandona seu posto em frente ao video-game e senta na na poltrona que lhe dá acesso à mesa. Ele parece não se incomodar que sua mãe, ou qualquer outra pessoa leia suas estórias, depoimentos ou o que quer que seja.

- Tá bom, mãe. E começa a escrever:

"Oi, mãe. Não gosto muito quando você está ocupada à tarde e me pede para ferver um copo de leite pra você na nossa velha caneca. Na verdade, eu sempre xingo baixinho e vou até a cozinha surrando em silêncio e com uma força concentrada os móveis que vejo pela frente. Mas quando chego lá até que faço com boa vontade. Lembro da senhora recolhendo minhas roupas do varal em dias de chuva e esquento o leite com boa vontade. E também gosto porque fico lendo as informações que têm no saquinho - data de validade, local de fabricação. Gosto muito da parte do "pasteurizado". E não deixa de ser legal a parte que o leite começa a ferver, fazendo bolhas no canto da caneca e depois subindo rápido até a boca. Quantas vezes achei que não daria tempo de girar a válvula do gás e o leite fosse derramar, sujando o fogão. Receita que eu faço é a seguinte: duas colheres de chá de Nescafé, uma de açúcar e um copo de requeijão de leite. Mexer. Apesar de nunca ter provado, acho que fica muito bom, já que a senhora me pede isso há pelo menos uns vinte e um anos."

- Mas isso não é um poema, diz a mãe.

- Eu não sou escritor, mãe. E volta para o video-game.

3 comentários:

Odorico Leal disse...

Se minha mãe me pedisse assim de maneira tão graciosa para que eu lhe escrevesse um poema, eu escreveria. Ah, escreveria. Um épico. E ficaria orgulhoso dela. Só depois voltava pro videogame.

Ops, esqueci: olá.

Gostei da sua escrita.
Abraço.

Anônimo disse...

Olá, Ludovico.

Anônimo disse...

Em nossa casa temos James, o mordomo, que faz isso para nós.